mau humor

Esse calor dos infernos, o horário de verão, a ressaca pós-viagem, as madrugadas acordadas, os quilos a mais que aumentaram mais ainda, essas eleições de merda que estão piores que eleição para prefeito em cidade pequena - os inimigos, o ódio exaltado, o desvario todo que eu não me recordo de ter visto em muito tempo, o emprego ruim, a alternativa pior, os planos todos que empacaram, meu cabelo que também tá uma merda e eu não tomo uma atitude, the drugs don't work, eu ter me transformado numa dessas pessoas que gritam com funcionários de hotel, uma dessas que realmente não consegue mais ver um lampejo de humanidade debaixo dessa couraça de estupidez toda, esse sol, a cidade, como sempre essa cidade, a colega de apartamento que se comporta como hóspede de apart hotel, mas paga preço de quarto coletivão em albergue vagabundo, essa minha mania de confiar no bom-senso das pessoas, essa minha ingenuidade de imaginar que é só falta de bom senso mesmo, a consciência de estar caminhando a passos largos em direção aos trinta e muitos empacada em um lugar que eu não quero estar, esse cansaço que vem de tudo isso, a impressão de que eu quero me meter em empreitadas maiores que a minha capacidade, sempre, ter descoberto que meu irmão, além de fraco e infantil, é um manipuladorzinho dado a chantagens emocionais bastante sofisticadas, apesar dos motivos mesquinhos e os mais patéticos, se mantendo numa eterna posição de menininho da família, esse desejo de uma novidade, de uma onda que leve tudo embora, de esquecimento de todas as pessoas que passaram pela minha vida nos últimos dez, quinze anos, essa sensação de não ter mais nada a dizer para a maioria das pessoas que eu conheço por quase toda a minha vida, isso de não consegui ler mais, de não ter mais concentração, de não ter mais nenhum encantamento, de não consegui terminar de ler o deserto dos tártaros que comecei a 3 meses, o trabalho que é demais, a cidade que é uma merda, as pessoas que são estúpidas e subservientes, esse desequilíbrio na balança entre as coisas boas e ruins que me leva a uma tremenda injustiça com as coisas boas que encontrei, essa impressão de não ser levada a sério depois de determinado nível de intimidade, isso de realmente não saber me comunicar, de não reagir a tempo e de reagir a tempo, mas da forma errada, e que por isso eu sempre "perder a razão", mesmo estando reconhecidamente certa, num paradoxo lógico que me leva a crer que a família, a sociedade, os amigos, o trabalho, são regidos por uma lógica protocolar e cerimonial que, mesmo que as pessoas sejam capazes de reconhecer a exatidão de determinadas reivindicações, elas negam aceitar essas reivindicações desde que tenham sido feita da maneira errada, essa tal maneira certa que sempre desconfiei não existir, já que pessoas sempre estiveram a frente de maneiras - isso de aceitar então que não existem maneiras certas e erradas, mas pessoas certas e erradas, e eu certamente não estou no primeiro grupo, esse pressentimento de que alguma vez eu estive na fronteira e poderia ser parte do primeiro grupo, essa bola de neve do passado, em direção ao momento em que tudo deu errado, essa minha incapacidade de volver um olhar mais lúcido para mim mesma e então começar a mudar tudo isso, essas pessoas que desaparecem sem dar explicação, esse desinteresse todo, essa máxima de que para ser qualquer coisa para os outros é preciso ser antes para si mesmo, que engendrou uma geração narcísica e incapaz de olhar para os outros, gente tirando fotos em museus, gente fazendo selfies em situações triviais, gente que espetaculariza a própria vida, gente que pode ter perdido o bonde da história, eu, no caso, esse ressentimento com pessoas que tem dez anos a menos e a vida toda pela frente, a falta de tempo, os mau-resolvidos que são como pedras de Sísifo, vão estar sempre aí, dando alívios temporários durante a vida, isso de eu ser eu, e eu nunca saber quem eu sou, a não ser quando eu não for mais, isso de eu ter certeza de já ter sido mais inteligente e ter tido mais vontade, e que tudo isso tenha sido usado apenas para sobreviver, porque parecia não haver outras opções, isso de vasculhar o passado e não achar outras opções, isso de achar tudo isso meio ridículo, isso é bem eu, mas seria melhor que não fosse, essa incerteza toda, esse não ter um tempo infinito pela frente.

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