meu mundo é hoje

volta e meia eu tenho a sensação muito forte de que o mundo em que eu cresci desapareceu e nada resta do mundo de antes do 11 de setembro, por exemplo. Embora eu não saiba, claro, se o marco foi o 11 de setembro, o PT no poder, a ascensão da classe C, a abertura da universidade, o milagre econômico, as redes sociais e celulares transformados em computadores portáteis, e todas as ideologias e visões de mundo, religiões ou opções estéticas, transformadas todas em adereços de qualquer persona social, sem qualquer comprometimento profundo de ninguém com o que quer que seja. Claro, nesse estado de coisas todo mundo se arvora em ser crítico e consciente do estado atual das coisas, apto a discorrer desde "indústria cultural" até "economia internacional".
Até aí não me importaria a mínima, sejam essas opiniões, para o bem e para o mal, dignas ou puro vazio retórico intelectualóide, como são em quase todos os casos. Mas essa desgraça das certezas e opiniões sobre tudo invadiu o mais ínfimo da vida privada, das relações pessoais - quando elas existem. Se eu digo tenho a sensação de que alguma coisa desapareceu de forma inequívoca, qualquer um poderia perguntar "de que sensação exatamente você está falando?", e eu não saberia realmente explicar, eu tentaria dizer que o mundo não está dado, nem tudo pode ser explicado, vamos, pelamor de deus, pelo menos uma vez, parar de nos levar tão a sério, de levar tudo tão a sério, de achar que estamos no controle, de crer na previsibilidade de uma realidade que na verdade está alicerçada na última nuvemzinha de poeira levantada na corrida insana rumo ao abismo. Isso tudo vai explodir e não há ironia e distância que nos salve. O circo está pegando fogo há muito tempo, gritou uma colega ontem, e não era disso que estávamos falando. Vamos com calma. Nada pode ser mais sintomático de uma época em que a segurança e a certeza desapareceram tão violentamente do que a própria violência com que essas certeza e segurança são reivindicadas para se tratar sobre qualquer coisa. 

o.o.o

Fiquei arrasada com a morte do Eduardo Coutinho. Com o conjunto dos eventos, uma coisa cruel, mas muito mais que isso, injusta. Como um castigo de deuses irados contra quem ousa afirmar a beleza ou buscar ordem e sentido no mais aparente caos. No choque da notícia, perambulei entre uma água na cozinha, o gato no quarto, meus livros, e achei Montaigne, assim: afinal exista coisa mais rara que a morte natural, mesmo na avançada velhice?

o.o.o

Às vezes sinto falta dos velhos teólogos que me formaram, que rebatiam argumentos racionalistas e cartesianos, no sentido mais tosco e cientificista dos termos, com um quê de física quântica, ciências naturais ou gregos antigos;  pouco bebi desse repertório aprendido em claustros e universidades európeias, naqueles exílios dos anos 70, então, parece esoterismo viajandão minhas parcas tentativas de dizer que a realidade dos eventos está justamente naquele ponto em que não conseguimos explicar e que se trata, fundamentalmente, da falta de controle de todas as coisas. E se trata também, diriam os velhos teólogos, de um sentido que no mais das vezes pode nos escapar, mas que deve se afirmado sobre todas as coisas. Nada é mais palpável que os limites da nossa incompreensão. Nossos limites.

o.o.o.

Continua. Ou não. Vamos respirar fundo, sorrir e dar de ombros - a maioria vai achar que entregou as armas, mas há na verdade uma legião sem arma nenhuma para entregar.

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