Die Rede, por Bento Prado Jr.


O Sartre diz: o Pascal descobriu a dimensão existencial e a dimensão da historicidade. Mas ele fica com um pouco de pé atrás. Mas no caso Heidegger, eu gosto de lembrar também que o Dasein, pertence à estrutura essencial do Dasein, o modo de existir, de sair de si mesmo, de ex-sistere. Tem uma pré-compreensão do Ser. Mas tudo se passa como se o Dasein, o ser humano, pra ser simples, este ser que nós somos, não como espécie natural, esse modo de ser que nós somos, que implica a linguagem e o mundo etc. Ser no mundo, logos, a idéia. Ele pode fugir, ele pode renegar a sua auto-condição na forma do das Mann, die Rede. Das Mann é o “a gente”.

Você se separa da sua ipseidade, você se integra numa entidade impessoal e a sua linguagem se externaliza para manter a consistência do mundo. É o correspondente da má-fé no Sartre. Má-fé não é simplesmente sacanagem. Má-fé é simplesmente negar a sua própria liberdade. Ele tem aquela descrição pro comportamento má-fé… A moça que tá com o candidato a namorado, tomando um chope num boteco e o candidato a namorado põe a mão na mão dela. Daí ela fica numa situação difícil. Porque ela não quer propriamente namorar, ela não tá interessada no cidadão, mas também não quer desmanchar a situação presente, que tem alguma fascinação. Então, no fundo é como se ela dissesse: esta mão não é minha. Ela se torna uma coisa-em-si. O cinzeiro aqui do meu lado e a minha mão do outro lado que não tem nada que ver comigo. Quer dizer, é a fuga á liberdade. No fundo, digamos, a alienação, pra usar uma expressão que, no vocabulário do Sartre, entra corretamente. Tornar-se coisa. No caso Heidegger, não tem exatamente esta dimensão, mas é destornar-se Dasein. No fundo, não é muito diferente. 

ALUNO: Professor, então não seria o caso de Gerede, ao invés de Rede, ali?
Não, Rede, ele fala die Rede é o papo
ALUNO: Porque ele opõe isso a quê?Ao discurso?
Contra Rede ele opõe poesia e pensamento. Opõe aquilo que ele chama de autenticidade. A oposição que vai reaparecer no Sartre como o ser autêntico e o ser inautêntico.

Seguramente. Die Rede é fala vazia, isto é, é papo furado, é linguagem estereotipada, aquilo que se diz, aquilo que as pessoas dizem em geral. O estereótipo, digamos. Por oposição, digamos, à expressão da experiência vivida livremente, naquilo que ela tem de subversivo. O que é que ela tem de subversivo? Ela subverte o mundo, porque ela dissolve o mundo no nada. É por isso que a angústia tem a mesma função no Heidegger e no seu discípulo, de mesmo tamanho que ele, que é o Sartre. Mas essa passagem é uma passagem que pode ser pensada ética, quase psicanaliticamente, psicologicamente. As idéias de má-fé, de Stimmung. Bom, Stimmung é um sentimento, má-fé é uma forma de comportamento, uma forma de ação. Nós tamos falando aí do que há de mais antropológico possível, aparentemente. Mas tanto no caso do Heidegger quanto no caso do Sartre, essas noções remetem imediatamente à passagem do ôntico ao ontológico. Porque na direção da Angst e da autenticidade, você tem a experiência da falta de fundamento do Ser.A descoberta do sentido do Ser é a descoberta da identidade do Ser e do nada, que é de alguma maneira a idéia de uma vida finita, o sujeito é finito.


Fonte: http://www.consciencia.org/heideggerkantcursobento5.shtml

Postagens mais visitadas